Como evitar o desperdício na produção agrícola?
Reduzir o desperdício na agricultura é urgente para contribuir com a maior disponibilidade de alimentos e redução das perdas decorrentes das mudanças climáticas
Infelizmente, mesmo com muitas pessoas passando fome no mundo todo, muita comida é desperdiçada diariamente. Estima-se que 14% dos alimentos do mundo são perdidos entre a colheita e a comercialização, e cerca de 17% são desperdiçados no varejo e no nível de consumo. E tudo isso ocorre ao mesmo tempo em que 811 milhões de pessoas passam fome no mundo.
Essa perda e desperdício de alimentos (PDA) é responsável por 8 a 10% das emissões dos Gases do Efeito Estufa (GEE) no planeta, o que contribui também com um clima instável e eventos climáticos extremos, como secas e inundações. Tudo isso afeta negativamente o rendimento das culturas, reduzindo sua qualidade nutricional, causando interrupções no abastecimento de alimentos e ameaçando a segurança alimentar.
Na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a meta 12.3 do ODS 12 – consumo e produção responsáveis – exige reduzir pela metade o desperdício global de alimentos per capita nos níveis de varejo e consumidor e reduzir as partes de alimentos ao longo das cadeias de produção e fornecimento. Com isso, há uma necessidade urgente de acelerarmos nossas ações para evitar que esse problema se agrave ainda mais.
Para aumentar a consciência da importância do problema e de suas possíveis soluções, em 19 de dezembro de 2019, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), designou o dia 29 de setembro como o Dia Internacional da Conscientização sobre a Perda e o Desperdício de Alimentos – ou IDAFLW , sigla do inglês “International Day of Awareness of Food Loss and Waste” (A/RES/74/209). A designação dessa data comemorativa é um apelo à ação para entidades públicas, privadas e consumidores de todo o sistema alimentar, para trabalhar juntos na redução da perda e do desperdício de alimentos, além de contribuir para promover esforços globais e ações coletivas para o cumprimento do ODS 12.
Como a agricultura está ligada à PDA
Quando se fala de agricultura, as perdas iniciam logo cedo, podendo acontecer em toda a cadeia produtiva, em várias etapas da produção e costumam ser decorrentes da falta de estrutura apropriada, que inclui problemas na colheita, armazenamento ou transporte dos alimentos. Já o desperdício, ocorre nas etapas finais da cadeia de alimentos: venda no varejo ou em restaurantes e no consumo em escolas e nas residências.
A falta de acesso apropriado a equipamentos de colheita, a pesticidas e fertilizantes, por exemplo, pode provocar perdas severas no campo. O método de colheita (mecânico ou manual), a força de trabalho insuficiente e a época adequada são fatores importantes que causam atrasos e perdas nessa fase.
Muitas vezes, as perdas ocorrem devido ao ataque de pragas, condições climáticas, incertezas de mercado ou até mesmo porque os agricultores produzem em excesso para se protegerem contra essas adversidades. Quando ocorre um excedente na produção, o aumento na oferta pode diminuir o preço de mercado, o que leva a produtos não colhidos ou jogados fora, logo após a colheita. Perdas também podem ocorrer porque alguns produtos não atenderam aos padrões de qualidade, como forma, tamanho, cor e peso, exigidos pelos processadores ou mercados-alvo.
De acordo com o relatório “O estado da alimentação e da agricultura 2022” da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), dada a sua dependência sobre os processos naturais, o setor agrícola está exposto e vulnerável a eventos adversos relacionados ao clima, especialmente secas, inundações e tempestades. Mais da metade de todos os problemas na produção agrícola são resultado de eventos climáticos extremos. Seca é a maior causa das perdas de produção, com 82% do seu impacto na agricultura.
Não é só no campo que a PDA ocorre
Um artigo publicado na revista Foods em 2019 fez uma abordagem geral sobre a ocorrência da PDA. Teve como foco principal identificar a causa da ocorrência de PDA em toda a cadeia de abastecimento alimentar. As perdas que ocorrem além do campo variam de acordo com o produto alimentício. Durante a fase de manuseio e armazenamento, produtos como hortaliças, por exemplo, sofrem perdas devido à degradação e derramamento no carregamento e descarregamento, transporte (da fazenda à distribuição) e instalações inadequadas.
Outros fatores que envolvem PDA são capacidade de linha de processamento insuficiente e métodos de processamento ineficientes. A pressão comercial na fase de marketing também é uma das causas do desperdício de alimentos. Por exemplo, atividades promocionais, como “compre um e leve outro”, condicionadas ao aumento da quantidade comprada, levam os consumidores a desperdiçar alimentos, induzindo-os a comprar mais alimentos do que o necessário.
PDA também ocorre na fase de consumo dentro de casa, muitas pessoas não têm habilidades de preparação de alimentos ou a capacidade de reutilizar as sobras. Além disso, famílias com rendimentos mais elevados tendem a desperdiçar mais, uma vez que os alimentos são relativamente mais baratos do que outros bens. E ainda, fatores culturais que influenciam nos hábitos alimentares e atitudes individuais são determinantes nas questões relacionadas à PDA.
Dadas os diversos motivos que provocam as perdas e os desperdícios de alimentos, a maior certeza que temos é que precisamos agir rápido. Se pensarmos que faltam apenas oito anos para atingir a meta de 2030, a urgência de nossas ações para reduzir a PDA não pode ser subestimada.
Ações que podem ser tomadas na produção agrícola
Melhorar o acesso às tecnologias modernas desde o início da produção até a colheita, armazenamento e transporte de alimentos, pode contribuir com a redução da PDA. Pesquisa e inovação relacionada ao uso dessas tecnologias, assim como o desenvolvimento de práticas circulares como conversão de alimentos em adubos, compostagem e aproveitamento de resíduos para produção de energia (biogás) também são fatores primordiais a serem levados em consideração para a busca de soluções para esse problema.
De acordo com um artigo publicado na Revista Engenharia Sanitária e Ambiental, tanto as cidades quanto a agricultura podem se beneficiar ao considerar seus resíduos sólidos orgânicos como um “recurso” precioso, convertendo-os em adubo e/ou energia, gerando empregos e contribuindo para a redução dos custos de sua disposição. É preciso, portanto, além de melhorar a infraestrutura para a compostagem e a biometanização, investir intensivamente em programas de redução do desperdício de alimentos a fim de obter volumes menores para a reciclagem. O estudo ainda destaca que a valoração dos resíduos orgânicos pode auxiliar na resolução de graves problemas ambientais, como degradação do solo, erosão e mudanças climáticas, além de desviar grande quantidade desses resíduos encaminhada a aterros sanitários e lixões no Brasil.
Educação, ações de conscientização e boa governança também fazem parte das principais contribuições para a redução da PDA. Dessa forma, instituições de pesquisa, por meio de serviços de extensão, podem oferecer cursos e treinamentos para agricultores e demais membros da cadeia produtiva, a fim de conscientizá-los da importância e prioridade que esse tema deve ser abordado.
Reduzir a PDA apresenta uma oportunidade para melhorar a sustentabilidade geral de sistemas alimentares, além de trazer benefícios climáticos imediatos. Com o objetivo de chamar ainda mais a atenção para o Dia Internacional de Conscientização sobre Perda e Desperdício de Alimentos em 29 de setembro de 2022, a FAO lançou o guia “Get Envolved”. Acesse para obter mais informações.
Principais fontes
Principais fontes:
FAO. 2021. The State of Food and Agriculture 2021. Making agrifood systems more resilient to shocks and stresses. Rome, FAO. https://doi.org/10.4060/cb4476en
Ishangulyyev, R.; Kim, S.; Lee, S.H. Understanding Food Loss and Waste—Why Are We Losing and Wasting Food? Foods. 2019, 8, 297. https://doi.org/10.3390/foods8080297
United Nations Environment Programme (UNEP). Food Waste Index Report 2021. Nairobi. Disponível em: https://wedocs.unep.org/handle/20.500.11822/35280;jsessionid=DE645B69FB844C052244B2D986E5F56B Acesso em: 14/09/2022
Foto: Adobe Stock