O que esperar da COP 27 e da participação do Brasil no evento?
O especialista Rodrigo Lima, da Agroicone, fala sobre as expectativas para a participação do país na Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, que ocorre entre 6 e 18 de novembro no Egito
O Entre Solos – Semeando Conexões traz uma entrevista elucidativa com Rodrigo Lima, advogado, Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que possui 18 anos de experiência em comércio internacional, meio ambiente e desenvolvimento sustentável no setor agropecuário e de energias renováveis.
Rodrigo tem vasta experiência no tema central do evento que analisa o quanto será possível garantir segurança alimentar para o mundo todo com o avanço das mudanças climáticas e como os países estão trabalhando para reverter o aquecimento global. E também para garantir alimento para o mundo por intermédio da agropecuária, onde o Brasil tem destaque e relevância. Confira.
Rodrigo, o que o Brasil pretende apresentar ou discutir na COP 27?
O Brasil tem uma meta até 2025, de 37%, e depois de 50% de redução de emissões baseado nos níveis de 2005 até 2030, que é uma meta absoluta, salvo engano, 37 a 40% das partes possuem metas absolutas, o que evidencia que o Brasil tem uma meta bastante ambiciosa. O que se espera do Brasil lá na COP é a apresentação de um documento que formalize perante a convenção quais as ações serão adotadas para buscar cumprir as metas do Brasil, especialmente porque junto com a meta de 50% até 2030, o Brasil tem uma meta de neutralidade de emissões até 2050, o significa que tudo o que emite, reduz, o que é muito ambicioso. E neutralidade é o mantra necessário para alcançar a meta de 1,5 graus Celsius. Se o Brasil vai levar ou não esse documento ainda é incerto. Eu tendo a crer que o Brasil não vai apresentar esse documento, que deveria conter todas as políticas setoriais que o país vai adotar para implementar suas metas, como por exemplo o Plano ABC+ da pecuária de baixo carbono, de mitigação e adaptação, o RenovaBio de biocombustíveis, e outras políticas. Entendo que o Brasil não deverá apresentar esse documento.
Na COP 26, foi selado o compromisso de que todas as nações apresentassem planos fortes, anuais, a partir deste ano (2022) nos tópicos: redução das emissões, financiamento climático, adaptação aos impactos das mudanças climáticas, apoio aos países em desenvolvimento… Você acha que tudo isso foi ou está sendo realizado?
Na COP de Glasgow no ano passado, se acordou que os países precisam apresentar metas para 2030, ambiciosas, capazes de conter o aquecimento global, limitar o aquecimento global em no máximo 1.5 graus Celsius, que é a meta maior do Acordo de Paris. Na verdade, foi um reforço para que os países que ainda não submeteram metas, submeterem. E nessa semana, saiu um relatório atualizado, um relatório síntese das NDCs (Cada país estabeleceu metas de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE), chamadas de Contribuição Nacionalmente Determinada – NDC) que mostra que ainda não é possível alcançar essa meta de 1.5 graus Celsius. Se todos os países implementarem todas as ações que apresentaram, ainda assim, o aumento da temperatura ficaria na casa de 2.5 graus Celsius, ou seja, 1 grau a mais que o almejado.
A pressão por alcançar as metas do Acordo de Paris é grande. Como você vê o Brasil e outros países em desenvolvimento nessa preparação?
Essa apresentação das NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada) é periódica. Os países devem fazer sempre ela mais ambiciosa do que a primeira meta, ou seja, não se pode retroceder. Um país pode mudar o que ele vai fazer para alcançar a meta, mas não pode ter uma meta menos ambiciosa. Isso dá vida ao Acordo de Paris, torna ele dinâmico. O ponto é que até hoje não temos as condições necessárias para alcançar o objetivo. O que de certa forma, movimenta o Acordo e o chamado, o convite aos países para que continuem cada vez mais calorosos no sentido de cumprirem suas metas, torna tudo mais necessário.
Como estamos em termos de ações para a Agenda 2030?
A Agenda 2030, que contém os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ela tem o ODS 13 como os esforços de mudanças do clima, e na verdade conecta vários outros objetivos, como segurança alimentar e nutricional, como segurança energética, por exemplo, temas que vão ser muito quentes lá no Egito, por conta da guerra, da retomada de energias fósseis pelos países desenvolvidos e do problema cada vez mais evidente de segurança alimentar pelos impactos que o aquecimento global trazem para a agricultura, inclusive no Brasil. Como vivenciamos ano a ano a incidência cada vez maior de eventos climáticos extremos, que traz prejuízos pro país, para a agricultura brasileira. Então tem uma interface muito grande com os ODS. O que eu penso que se deve ponderar e colocar em perspectiva é que muitas vezes se faz uma leitura de que carbono é a principal agenda. Eu entendo que carbono sim é uma agenda importante, relevante, mas ela precisa ser vista de forma transversal com os desafios de segurança alimentar, segurança energética, emprego, geração de renda, entre outros.
Você sempre aponta a inovação como o principal caminho para alcançar os objetivos de um agronegócio mais sustentável. Como a grande maioria dos agricultores brasileiros, pequenos e médios, poderão adotar essas práticas?
Um aspecto que eu gosto de pensar é que, diante das contribuições nacionalmente determinadas que foram apresentadas, 141 países apresentaram ações de agropecuária. O que isso significa? Que 141 países, e um deles é o Brasil, entendem que inovação é a chave, é a base da discussão de agropecuária dentro da sua relação com mudanças do clima. E isso se traduz numa agenda de inovação quase automática. Por que? Porque para eu adotar redução de emissões, para eu conseguir adaptar a agropecuária, eu preciso ter tecnologia e inovação. E além de transferir tecnologia, desenvolver tecnologia. E aí tem uma agenda de longo prazo relevante que merece ser trabalhada. É uma agenda de tecnologia, inovação, para permitir evoluir, reduzir impacto, emissões, e estar preparado para enfrentar os impactos do aquecimento global. E o Brasil tem uma política muito robusta, que é o ABC+. e deveria sempre se fundamentar no ABC+ como a base do que vai fazer dentro da sua relação da agricultura com as mudanças do clima. Outro aspecto importante a meu ver é que sem inovação e sem fortalecer as ações dos países, não haverá avanço. Isso vai estar em jogo no Egito por conta de uma decisão que deverá ser adotada dentro do grupo chamado Trabalho conjunto de Koronívia sobre Agricultura (Koronívia é o nome dado ao grupo de trabalho para discutir a agropecuária dentro do contexto geral do Acordo de Paris). A ideia desse grupo, que já amadureceu muito toda essa relação, é “Vamos adotar uma decisão que permita levar financiamento climático, levar tecnologia para fazer os países implementarem as metas e suas ações”. Eu enxergo que se for criado um programa de trabalho ou um grupo permanente de agricultura, isso pode ser muito positivo para conectar financiamento climático e suporte, cooperação para ajudar os países a implementarem suas metas.
E você acredita que inovar está ao alcance de todos? Não é preciso ter apoio, investimento, capacitação para isso?
Um aspecto adicional da agenda de inovação é assistência técnica, transferência de tecnologias, mas capacitação e assistência técnica é algo que nem todo mundo tem. Agricultura 4.0, usar adequadamente os insumos, usar tecnologias. Isso depende de conhecimento, de fundamento, de apoio aos produtores. E isso está no âmago de toda a possibilidade de fazer com que os países evoluam dentro da agenda climática, reduzindo impactos para a segurança alimentar, aprimorando a agropecuária, inovação e isso está no cerne também da discussão da agricultura. E traz o setor privado como elemento fundamental, e se o setor privado não tiver espaço e um papel para contribuir com isso, a gente vai depender só dos países.
Principais fontes
Foto: Arquivo pessoal