Estudo indica diminuição de água no Cerrado e escassez hídrica até 2050
Os rios do Cerrado, responsáveis por boa parte da geração elétrica do Brasil, perderam 15% de sua vazão de água
No Brasil, os rios do Cerrado são responsáveis por boa parte do abastecimento hídrico e da geração de energia elétrica do país. No entanto, por causa do desmatamento e mudanças climáticas entre 1985 e 2022, perderam 15,4% de sua vazão de água.
E a perspectiva de futuro não é das melhores: um terço do volume de águas (34%) tende a ser perdido até 2050 caso a destruição do bioma continue no ritmo atual. Foi o que mostrou um estudo apresentado na Conferência das Nações Unidas para o Clima, a COP 27, no Egito. A pesquisa The heavy impact of deforestation and climate change on the streamflows of the Brazilian Cerrado biome and a worrying future é apoiada pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), organização da sociedade civil com foco no bioma.
De acordo com as conclusões obtidas no estudo, 93% das bacias devem ter redução de disponibilidade de água. Especialistas estimam que devem ser perdidos 23.653 m³/s até 2050, somente nos rios analisados no estudo. Essa perda equivale à vazão de oito rios Nilo.
O estudo foi apresentado durante debate – Acordo UE-Mercosul e Regulamento de importação livre de desmatamento: desafios para o Cerrado e para a discussão de salvaguardas – na COP 27, realizado no Brazil Climate Action Hub e organizado pelo ISPN, em parceria com Fase, WWF-Brasil, IPAM, Instituto Cerrados e Rede Cerrado.
Durante a apresentação no evento, as organizações buscaram chamar a atenção para o bioma na COP 27, onde as florestas – no caso do Brasil, a Amazônia – dominam as discussões. Para o advogado Guilherme Eidt, que também é assessor de políticas pelo ISPN, “a atenção do campo socioambiental e da sociedade geralmente reside nas florestas tropicais, embora biomas não florestais, como o Cerrado, cubram 57% do cinturão tropical do mundo”. Ele acrescentou ainda que “para garantir a segurança climática, também é necessário proteger savanas e campos”.
Foram analisadas 81 bacias hidrográficas no Cerrado, em um período entre 1985 e 2022. Destas, 88% já apresentam diminuição da vazão devido às intensas mudanças do uso do solo na área de abrangência da bacia hidrográfica. O número alto indica tendência sistêmica de escassez de água e ampliação do estresse hídrico até 2050 em especial ocasionado pela ocupação agropecuária de larga escala, o agronegócio. Os recursos hídricos do bioma estão cada vez mais escassos localmente e já apresentam perda de 15,4% da vazão dos rios. Ainda assim, a água segue sendo exportada para China, União Europeia e Estados Unidos em forma de “água virtual”, ou seja, água consumida na produção dos grãos e carne (commodities).
A pesquisa destaca também as mudanças no uso da terra pela expansão da agricultura e de pastagens, responsável por cerca de 46% da emissão de gases de efeito estufa (GEE) do país, o que é um dos fatores de impacto do agronegócio nas mudanças climáticas. Impacto esse que retorna, intensificando secas e impactando a própria agricultura e ampliando conflitos por água.
Importância hídrica e energética do Cerrado
O cerrado é conhecido como “berço das águas” e abriga nascentes de 8 das 12 bacias hidrográficas mais importantes do país e o segundo maior reservatório subterrâneo de água do mundo, que são os aquíferos Guarani e Urucuia. Também fornece 70% da água do Rio São Francisco, que abastece a região Nordeste brasileira, e 47% da água do Rio Paraná, que abastece a hidrelétrica de Itaipu. Suas águas são importantes também para Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai.
A ausência de água interfere diretamente na disponibilidade de energia elétrica no Brasil, cuja matriz energética é baseada nas hidroelétricas. De acordo com pesquisadores do estudo, os dados nos permitem prever uma diminuição crítica da disponibilidade de água e, consequentemente, aumento de conflitos por água. Eles acreditam que os mais prejudicados serão as comunidades tradicionais locais, mas também o próprio agronegócio e grande parte da população brasileira, que depende das águas do Cerrado.
Principais fontes
Fonte: ISPN e Embrapa
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