Riqueza cultural, social e econômica
Para além da produção de alimentos, a agricultura tradicional a serviço da sustentabilidade
Certamente, você adota hábitos no seu dia a dia que foram transmitidos por seus pais, avós, parentes próximos ou até mesmo de quem você nem reconhece, mas que dizem respeito à sua ancestralidade. Quando falamos de comida, por exemplo, isso fica muito evidente. Saberes e sabores que compartilhamos por gerações. Afinal, em uma receita, existem histórias de comunidades inteiras, de relações sociais, de práticas culturais e de momentos.
Na agricultura não poderia ser diferente. Com ela se estabeleceu a mais forte conexão das práticas humanas com a natureza. Os seres humanos tiveram que conhecer e se ajustar aos ciclos da Terra para semear seus alimentos, enfrentar as intempéries e principalmente, aguçar os seus sentidos aos sinais da natureza. Imagine esse comportamento nas mais diversas culturas? Quantos saberes o mundo reúne? Um verdadeiro patrimônio da humanidade!
E nem pense que esse foi apenas o começo da agricultura. Se você observar os princípios das tecnologias usadas no campo, vai perceber que tudo o que procuramos fazer é seguir o que a natureza faria. Quanto mais moderna e sofisticada a inovação agrícola, maior será a sua associação com a natureza. É dessa forma que se trabalha com sementes melhoradas geneticamente, com os produtos biológicos, sistemas integrados de cultivo e tantas outras práticas e ferramentas. E você pode ter certeza que à medida que assumimos compromissos com a agricultura sustentável, as tecnologias que não estiverem alinhadas a esse princípio, não resistirão no tempo.
Nesse contexto de desenvolvimento sustentável, precisamos reforçar o elo entre práticas culturais e alimentos, saberes e sabores. É preciso revelar o quanto são indissociáveis e fazem parte da produção agrícola sustentável que contempla um olhar integrado eco-sócio-cultural.
O que é agricultura tradicional?
A agricultura tradicional é denominada tecnicamente de Sistema Agrícola Tradicional (SAT) e é praticada pelas comunidades tradicionais. É reconhecida por ser uma agricultura dinâmica e resiliente, com alta interação de elementos culturais, ecológicos, históricos e socioeconômicos no tempo e no espaço.
Isso quer dizer que os agricultores que a praticam respeitam o desenvolvimento natural de cada espécie e esse conhecimento foi sendo adquirido ao longo de gerações.
A agricultura tradicional é bastante presente em diversas regiões do Brasil. Como por exemplo, o que se identifica no manejo de flores sempre-vivas no interior de Minas Gerais e do cacau produzido em sistemas agroflorestais dentro da Amazônia. Práticas originadas de conhecimentos e experiências dessas comunidades, impactando diretamente nos seus modos de vida, sustento e preservação do meio ambiente.
Muitas das práticas dos sistemas tradicionais foram incorporadas na agricultura moderna. Inclusive a recuperação de áreas degradadas é uma das tecnologias incentivadas pelo Plano ABC, uma iniciativa que visa reduzir a quantidade de emissões de CO2 na atmosfera.
Reconhecimento internacional
Para que a preservação da agrobiodiversidade, ou seja, a biodiversidade presente no campo, seja próspera e contínua precisamos adotar práticas sustentáveis em todo o sistema agrícola.
Por isso, os pesquisadores encontraram na capacidade de regeneração da agricultura tradicional uma forma de ressignificar a produção de alimentos e enfrentar as mudanças climáticas. Do outro lado, a Organização das Nações Unidas (ONU) busca, por meio de programas educacionais, disseminar a importância e os benefícios encontrados nessa forma de produzir.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reconhece o sistema tradicional de agricultura dos apanhadores de flores sempre-vivas da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, como Patrimônio Agrícola Mundial. Sistema considerado o primeiro Patrimônio Agrícola reconhecido no Brasil e o quarto na América Latina.
O sempre-vivas é praticado em comunidades de camponeses e quilombolas do estado de Minas Gerais. Essas comunidades reúnem identidade cultural e prática sociocultural de manejo e coleta das flores nos municípios de Diamantina, Buenópolis e Presidente Kubitscheck.
A geração de renda para as famílias tem como principal fonte a venda de flores sempre-vivas. Eles realizam o manejo com base no conhecimento dos ciclos naturais das espécies, controlando a intensidade e frequência da coleta das flores. Dessa forma, garantem sua renovação e manutenção. Um manejo bastante sustentável!
Essas plantas ornamentais são exportadas para diversos países, incluindo Estados Unidos, Países Baixos, Espanha e Itália.
Recuperação de áreas degradadas
Seguindo também o sistema tradicional, cabe mencionar o projeto Cacau Floresta, uma iniciativa da The Nature Conservancy (TNC) que trabalha com pequenos agricultores para proteger a Amazônia. É uma iniciativa que fomenta a produção de cacau em sistemas agroflorestais como uma cultura para a recuperação de áreas degradadas e redução do desmatamento na Amazônia.
O projeto teve início em 2012 e desde 2013, foram implantados, aproximadamente, 1.000 hectares de sistemas agroflorestais com cacau em áreas de pasto degradado, ajudando também a preservação de vegetação nativa nessas propriedades.
Guardiões de florestas nativas
A ONU publicou, recentemente, um relatório intitulado “Povos indígenas e comunidades tradicionais e a governança florestal”, mostrando que o desmatamento na América Latina e no Caribe é significativamente mais baixo nas áreas indígenas e de comunidades tradicionais. O documento revela que essas comunidades têm sido os melhores guardiões das florestas. Em resumo, os achados destacam a importância de se proteger e valorizar o conhecimento tradicional.
Principais fontes
Governo do Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/agricultura-e-pecuaria/2020/03/cultura-tradicional-de-sempre-vivase-reconhecida-como-patrimonio-agricola-mundial. Acesso em 01 nov. 2021.
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Disponível em: https://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/pt/c/1265788/. Acesso em 01 nov. 2021.
Povos indígenas e comunidades tradicionais e a governança florestal. Disponível em: https://www.fao.org/documents/card/en/c/cb2953es. Acesso em 01 nov. 2021
The Nature Conservancy (TNC). Disponível em: https://www.tnc.org.br/o-que-fazemos/nossas-iniciativas/cacau-floresta/. Acesso em 25 out. 2021