A contribuição dos indígenas para a agricultura
Nas diversas terras cultivadas pelos povos indígenas, o conhecimento e o respeito à floresta colaboram para eficiência e respeito ao meio ambiente nos sistemas de produção agrícola.
De acordo com o censo realizado em 2010, o último feito no país, o Brasil tem pouco mais de 900 mil indígenas, dos quais mais da metade, em torno de 517 mil, vivem em comunidades, na sua maioria no campo. Segundo o IBGE, o Brasil conta com mais de 7 mil localidades indígenas, distribuídas em 827 municípios, a maioria deles na região norte do país.
Temos inúmeros exemplos do quanto os povos indígenas possuem conhecimento sobre técnicas agrícolas. O cultivo da mandioca, uma das principais bases da sua alimentação, é um deles. Em sua tradição, as mulheres descascam e lavam as raízes para que os homens façam a farinha. Hoje, muitas comunidades se dedicam à agricultura familiar com atividades de lavoura e pecuária. No Mato Grosso, onde há grande concentração de povos indígenas, alguns projetos apoiam a produção de cultivos conduzidos por comunidades indígenas, como o arroz da etnia Xavante e o cultivo da soja preta da etnia Paresi, seguindo um projeto experimental da Embrapa. Sem deixar de citar, projetos que apoiam a fruticultura e o extrativismo na Amazônia protagonizados pelos indígenas.
FUNAI incentiva desenvolvimento
Com mais de 300 etnias no Brasil, a FUNAI – Fundação Nacional do Índio, trabalha procurando valorizar a cultura indígena e difundir o respeito aos usos, costumes e tradições de cada comunidade.
Nos últimos anos, segundo a fundação, o uso econômico sustentável das terras indígenas tem sido muito importante para as comunidades e os investimentos em etnodesenvolvimento superaram R$ 40 milhões. Esses recursos, ainda conforme informações da FUNAI, vêm sendo destinados à autossuficiência dessas comunidades, como compra de materiais de pesca, sementes, mudas, insumos, ferramentas, maquinário agrícola, além do apoio para o escoamento da sua produção e cursos de capacitação.
Outro ponto importante é o incentivo aos povos para que ampliem o cultivo para conquistarem novos mercados e autossuficiência. Destacam-se no etnodesenvolvimento dessas comunidades, a produção de soja pela etnia Paresi (MT), o cultivo de arroz pelas etnias Xavante e Bakairi (MT), a produção de castanha pela etnia Cinta Larga (RO) e a produção de camarão pelos Potiguara (PB).
No Acre, o conhecimento é transmitido por oralidade
O estudo de doutorado de Tomaz Lanza, desenvolvido no programa de pós-graduação em Agronomia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em parceria com a Embrapa Acre, identificou quatro sistemas agrícolas e 115 espécies de plantas comestíveis na Terra Indígena Kaxinawá de Nova Olinda, no Acre. Foi levantado também um diagnóstico socioeconômico da comunidade para compreender a forma com que o conhecimento vem sendo difundido entre as diferentes famílias de indígenas da região ao longo do tempo.
A maior parte das pessoas que trabalham com agricultura na região são jovens entre 18 e 40 anos e a média das famílias é composta por três filhos. Com as conversas e com outras técnicas de observação, o pesquisador elaborou um calendário de sazonalidade de produção das plantas alimentícias silvestres. De acordo com o pesquisador, uma das motivações para o trabalho é dar visibilidade a essas experiências que são transmitidas pela oralidade de geração para geração. Foram registrados modos de cultivo, de uso da terra e espécies alimentícias consumidas pelo povo Huni Kuin, também conhecido como Kaxinawá. Os dados foram coletados entre os anos de 2016 e 2020 na Terra Indígena (TI) Kaxinawá de Nova Olinda, localizada no Alto Rio Envira, no município de Feijó, interior do Acre. Lanza realizou visitas de campo nas áreas de produção agrícola e entrevistas com indígenas de ambos os sexos, desde jovens a idosos.
De acordo com o coordenador do projeto e pesquisador da Embrapa Acre, Moacir Haverroth, a grande variedade de espécies agrícolas cultivadas no estado acontece devido à diversidade de povos indígenas presentes na região, que conta com 16 etnias. Para o professor da Unesp e orientador da pesquisa, Lin Chau Ming, os sistemas agrícolas indígenas contribuem para a conservação da agrobiodiversidade local, e sua disponibilização para as futuras gerações. O trabalho realizado nas aldeias envolveu diversas equipes compostas por profissionais de diferentes áreas do conhecimento com foco na gestão territorial e ambiental, oferta de alimentos, conservação dos recursos genéticos, valorização da cultura local e dos serviços ecossistêmicos prestados sob a legislação específica do Estado do Acre
Foto: Imagens/Theo Comissoli, estagiário da Gerência de Comunicação da Emater/RS-Ascar
Projeto prioriza segurança alimentar indígena no RS
Com o objetivo de ampliar o acesso a alimentos e minimizar os impactos sociais e econômicos da pandemia da Covid-19 sofridos pelas famílias Charrua, Guarani e Kaingang no Rio Grande do Sul (RS), em 2020, a Emater/RS-Ascar, em parceria com a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), desenvolveu o Projeto “Semeando nas Aldeias”. O principal objetivo foi, através da distribuição de sementes de hortaliças, beneficiar mais de 5 mil famílias indígenas das etnias Charrua, Guarani e Kaingang que vivem em 150 aldeias, em 67 municípios do Rio Grande do Sul. Também distribuíram sementes de milho e de feijão.
De acordo com a Assistência Técnica e Extensão Rural e Social (Aters) a Povos Indígenas da Emater/RS-Ascar, as sementes foram adquiridas com recursos da Seapdr, e as famílias indígenas foram auxiliadas por extensionistas para sensibilizar e orientar sobre o cultivo das espécies e os benefícios nutricionais da diversificação das suas dietas alimentares. Cada família indígena recebeu um Kit de sementes de hortaliças, pacote de 10 gramas cada, com as seguintes espécies: Abóbora Xingó Jacarezinho Casca Grossa, Melancia Crimson Sweet, Melão Hales Best Jumbo, Mogango Enrugado Barão, Moranga de Mesa (exposição) e Repolho Chato de Quintal. A distribuição ocorreu durante o ano de 2021, e segundo o planejamento das ações nas aldeias, o(a)s extensionistas rurais e as famílias indígenas tiveram à sua disposição materiais técnicos, elaborados em linguagem simples e objetiva, com imagens ilustrativas. O material foi feito com orientações sobre horticultura, compostagem e o cultivo adequado de cada espécie distribuída nas aldeias, além de informações sobre os seus benefícios nutricionais.
A Emater/RS-Ascar, vinculada à Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), continua auxiliando na manutenção dos costumes indígenas da área, com o objetivo de garantir sua segurança alimentar, com a entrega de sementes e fornecendo assistência técnica para o plantio, cultivo, manejo e colheita. Além disso, a instituição media o acesso das famílias a programas governamentais de inclusão e incentivo à produção familiar.
Segundo Maurício Neuhaus, do Departamento de Desenvolvimento Agrário, Pesqueiro, Aquícola, Indígenas e Quilombolas (DDAPA) da Seapdr, a secretaria está estudando as possibilidades e necessidades de ajustes para comprar novamente sementes neste ano, 2022, dando prosseguimento ao projeto “Semeando nas Aldeias”. “Ainda não definimos quais as espécies e as quantidades em função do nosso orçamento disponível, visto que os preços aumentaram em função da estiagem”, declarou Neuhaus.
Principais fontes
Principais fontes: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE Diretoria de Pesquisas; Secretaria da Agricultura e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul; EMATER RS/Ascar; EMBRAPA Acre; Assessoria de Comunicação/Funai.