A urgência de uma agenda agroambiental para o Brasil
Marcello Brito conversa sobre a necessidade de uma agenda agroambiental brasileira
Marcello Brito falou sobre a Agenda Agroambiental na 1a edição do “Diálogos Entre Solos – Semeando Conexões”. Brito é graduado em Engenharia de Alimentos. Atuou em diversas áreas como diretor comercial, de sustentabilidade e CEO de empresas líderes do Agronegócio Brasileiro. Atualmente, é CEO da CBKK SA – Objetivo de Bem-Estar e Conservação. Veja aqui um pouco mais sobre o tema abordado no nosso encontro em entrevista com ele.
Existem avanços da agenda agroambiental no Brasil?
Ainda não existe uma agenda agroambiental oficial brasileira, o que é uma pena. Isso deveria fazer parte da nossa estratégia enquanto Estado, enquanto Brasil. Nós temos uma boa estratégia de agro para alguns produtos, mas não para o agronegócio em geral, tanto que a gente enxerga as disparidades que existem entre produtos, entre tamanho de produtores, e entre regiões do Brasil.
As condições de natureza que gratuitamente o Brasil recebeu podem nos transformar em um líder agroambiental, ressalvando a questão da Amazônia. Veja, o agro já anda muito bem, boa parte da cobertura vegetal brasileira é cuidada pelo agronegócio por conta das leis nacionais, mas a gente fica devendo enquanto país nas questões de destruição da Amazônia. Sem resolver isso, nós não poderemos ser um destaque internacional.
Em sua apresentação, você destacou a necessidade de melhorar a gestão no agronegócio. Acredita que isso já vem sendo feito?! Em que escala?
Existe uma diferença gritante entre pequenos, médios e grandes produtores rurais. Se a gente pegar os dados oficiais do IBGE, a gente vai ver que cerca de 0,4% das propriedades rurais brasileiras, que dariam hoje mais ou menos 25 mil propriedades, respondem por 50% do valor bruto da produção do agronegócio brasileiro. Ou seja, um número desse é assustador porque mostra uma concentração gigante. Quando a gente olha os produtos, que são produtos principalmente característicos de agricultura familiar e da pequena e média produção, a gente não vê o mesmo interesse ou a mesma proteção governamental no que tange às questões de financiamento, assistência técnica, fitossanitária e assim por diante.
Vamos dar o exemplo das frutas. O valor anual de exportação de frutas brasileiras (quero dizer, de todas as frutas) equivale a apenas um terço do valor exportado pelo Equador, somente de bananas. A Guatemala exporta mais frutas, mais bananas em termos de valor que o Brasil também. Isso demonstra desinteresse estratégico. E olha a possibilidade, o tamanho do Brasil, a variedade de frutas que nós temos aqui dentro, mas temos uma série de problemas fitossanitários para que tenha aprovação do setor privado para começar a trabalhar na exportação para diversos países.
Então, em termos de gestão, a gente precisa melhorar como um todo, tendo uma visão holística de que o agronegócio não é apenas meia dúzia de produtos. A gente tem que continuar sendo líder nesses oito, nove, dez produtos que nós somos líderes. Mais do que isso, nós temos um potencial e uma capacidade enorme de ser líder em outros produtos incorporando a pequena – a agricultura familiar – e a média produção.
Qual o papel da ciência na agenda agroambiental brasileira?
A produção agrícola brasileira chegou aonde está por conta da ciência. Ciência, inovação, tecnologia, digitalização e pela abertura que o empresário rural teve na aplicação dessa ciência. Então, quando nós trouxemos a ciência em nosso benefício, em aumento de produtividade, em ampliação de área de consumo, em produtos mais seguros em termos fitossanitários, de saúde, toda essa ciência foi muito bem recebida. Quando a mesma ciência nos trouxe deveres em relação a biodiversidade, em relação a mudanças climáticas, em relação a contaminação de fluxo de água subterrânea ou seja superficial, aí a gente cria uma barreira. E aí começam a aparecer os que são negacionistas numa área da ciência mas não são em outras. Esse é um ponto que a gente precisa melhorar muito.
A aplicação de ciência e tecnologia é holística e ela olha para o futuro. Quando a gente lê os relatórios do IPCC por exemplo, relatórios antigos, a gente vê que projeções que foram feitas lá atrás projetando impactos climáticos em certas regiões brasileiras estão ocorrendo. Ou seja, os modelos matemáticos computacionais que foram feitos foram assertivos. Então nós sabemos que nós temos um problema. A ciência tem que vir aqui, em um trabalho conjunto entre agricultura e clima. Abaixo do clima, está a biodiversidade, está a água, floresta, desmatamento e assim por diante, para que nessa união a gente possa criar isso que a gente chama de potência agroambiental. Nada mais é do que acoplar a ciência no processo como um todo, do começo ao fim. Sem chuva, sem floresta que provoca chuva que abastece os rios que irriga as plantações, não tem agronegócio, são coisas interdependentes e não dá para gente dissociar isso aí no processo da ciência.
Você falou sobre a reputação do agro brasileiro. O que há de bom no nosso agro que precisa ser mostrado para melhorar sua reputação?
O agronegócio brasileiro é muito melhor que a sua reputação. Nós exportamos para quase todos os países do mundo. Existe um complô mundial para a destruição ambiental no Brasil? Não, é claro que não. O que existe é que os produtos exportados são muito bem rastreados, então o comprador lá sabe o que está comprando. Quem não sabe o que está comprando somos nós aqui, consumidores brasileiros que não conseguimos enxergar a rastreabilidade na vastíssima maioria dos produtos que compõem a nossa mesa, ou o nosso vestuário ou qualquer outro tipo de consumo que fazemos.
Agora, nós temos um problema de reputação no que tange à Amazônia. Quando a gente exporta um produto, exportamos um produto made in Brasil, não é made in São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Salvador… É made in Brasil. E se o Brasil está nas manchetes internacionais por uma escolha errada sobre a posição ambiental, sobre um processo proposital de destruição ambiental que assistimos nestes últimos 6 a 8 anos, ou seja, o desmatamento começou a crescer por volta de 2015 e não parou de crescer mais, isso mostra um descaso em relação ao que o mundo moderno pede, ao que novas gerações pedem.
Então a reputação não é só do agro, é a reputação do produto brasileiro, de todo o produto que leva made in Brasil. Se a gente não enxerga isso acompanhando o que mostram as tendências de consumo, de produção e de marketing, que as novas gerações estão olhando e esperam receber dos seus consumidores, nós não estamos trabalhando estrategicamente, o futuro dos nossos consumidores. É uma questão de inteligência estratégica.
Você também afirmou que o Brasil tem condição de ser um líder agroambiental. Como?
Qualquer produto brasileiro com carimbo de Amazônia preservada e conservada dentro das leis, dentro do sistema de proteção e conservação desse bioma tão importante para o mundo inteiro, ganha muito destaque. Ou seja, significa que se agirmos dentro da lei, protegendo e conservando esse bioma, nós podemos fazer desenvolvimento bioeconômico, que a gente pode ter agronegócio, que a gente pode ter pecuária, fruticultura, a gente pode ter tudo dentro da Amazônia, não tem pra ninguém.
Com boas práticas agrícolas e preservação, essa percepção também pode ser alcançada nos outros quatro biomas brasileiros (Cerrado, Caatinga, Pampa e Mata Atlântica). O Brasil é imbatível!
Principais fontes
Foto principal: Arquivo pessoal
Fotos secundárias: Adobe Stock