‘Amigos do Bem’ promove inclusão social no Nordeste
Com distribuição de mudas e educação, a instituição busca romper o ciclo da miséria na região e promover emprego, renda e biodiversidade no sertão
“Nosso objetivo é continuar transformando, investindo principalmente na geração de trabalho e na educação para crianças e jovens”, diz Alcione Albanesi, presidente e fundadora da Amigos do Bem, que atua em diversas áreas para promover a inclusão social e romper o ciclo de miséria na região Nordeste. Os números alcançados pelo projeto impressionam: 150 mil pessoas são atendidas todos os meses em 300 povoados do sertão de Alagoas, Pernambuco e Ceará.
Atualmente, o projeto gera emprego, renda e promove a biodiversidade no sertão. Com a distribuição de mudas de caju, incentivo e formação para que os agricultores locais plantem e colham, montaram fábricas e vendem em supermercados por todo o país os produtos 100% solidários, cujo recurso obtido com a venda é revertido aos projetos socioeducacionais também na região.
Para entender melhor o que e como fazem esse trabalho baseado no voluntariado, o Entre Solos – Semeando Conexões conversou com Alcione. Confira.
Alcione, neste ano a instituição Amigos do Bem completa 30 anos de atuação. Você poderia fazer um breve balanço do que foi feito de 1993 até hoje?
Em dezembro de 1993, reuni um grupo de 20 amigos para a primeira viagem ao sertão. Aquela viagem promoveu em mim profundas transformações. Encontrei povoados inteiros vivendo em extrema pobreza, não imaginava que, no nosso país, famílias, povoados inteiros, moravam em casas de barro, sem água, luz, alimentos ou qualquer outro recurso.
Ao longo destes 30 anos, atendemos milhões de pessoas, mapeamos as regiões mais carentes do Brasil e desenvolvemos projetos para mudar efetivamente a realidade de miséria secular desta região. O trabalho que começou com uma viagem no período de Natal, se transformou em um grande projeto social, mudando a história e a realidade de milhares de pessoas. A Amigos do Bem hoje conta com um dos maiores grupos de voluntários ativos do Brasil, são 10.600 pessoas que regularmente trabalham para ajudar. Atendemos mensalmente 150 mil pessoas de 300 povoados diferentes e distantes do sertão nordestino, com projetos contínuos de saúde, educação, trabalho e renda, moradia e acesso à água potável.
Construímos 4 Centros de Transformação, onde mais de 10 mil crianças e jovens participam diariamente de atividades socioeducativas e culturais. Eles recebem ensino regular, reforço escolar, atividades extracurriculares e também cursos profissionalizantes. Mais de 500 jovens já receberam bolsas de faculdade, possibilitando a formação profissional e a oportunidade de um futuro diferente. São a primeira geração a se formar. Com o objetivo de gerar renda e desenvolver o potencial de cada região, construímos 15 unidades produtivas, com Fábricas de Beneficiamento de Castanha e de Doces e Oficinas de Costura e de Artesanato, que geram mais de 1.500 empregos no sertão. Toda a renda obtida com a venda dos Produtos 100% Solidários é revertida para os nossos projetos educacionais e de transformação de vidas.
As 4 Cidades do Bem, localizadas em Pernambuco, Alagoas e Ceará, têm completa infraestrutura. Centenas de famílias deixaram as casas de taipa e condições de miséria absoluta para viver em casas de alvenaria com conforto e dignidade. Com a construção de 123 cisternas e 60 poços artesianos, milhares de pessoas, que chegavam a andar quilômetros em busca de água, não passam mais sede. Mais de 1,2 bilhão de litros de água são distribuídos por ano nessas regiões. Voluntários da área da saúde viajam todos os meses para o sertão para realizar atendimentos médicos e odontológicos em nossos Centros de Saúde, além de visitarem os povoados mais afastados para acompanhar de perto as famílias cadastradas na Instituição.
Por ano, são realizados mais de 187 mil atendimentos e a distribuição gratuita de medicamentos e óculos de grau àqueles que precisam. Concentrados na cidade de São Paulo, nossos voluntários participam de 123 diferentes grupos de trabalho, como arrecadações e distribuições mensais de alimentos, triagem de doações, restauração de brinquedos e atendimento médico, pedagógico e odontológico, além do acompanhamento dos diversos projetos no sertão.
O Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) pioneira no apoio técnico ao investidor social no Brasil, fez um estudo sobre o tamanho do impacto de Amigos do Bem em números: o Retorno Social sobre Investimento (SROI) da instituição é de 6,45, ou seja, cada R$ 1 doado ao projeto se transforma em R$ 6,45 na ponta, no sertão nordestino. Ainda de acordo com o IDIS, os investimentos realizados por Amigos do Bem entre 2012 e 2021 geraram e gerarão impactos sociais na ordem de R$ 2,1 bilhões. O impacto maior, segundo o estudo, pode ser observado nas frentes de trabalho e renda (38,4%) e educação (35,7%), reforçando o Modelo de Desenvolvimento Social Sustentável criado pela instituição.
Um impacto que enxergamos nas histórias e nos sorrisos e olhos brilhantes de quem hoje pode sonhar. Somos membros do Pacto Global da ONU no Brasil e com muita alegria me tornei a primeira liderança com impacto do ODS 1 (Erradicação da pobreza) pelos anos de trabalho e resultados de transformação nas regiões atendidas pelo nosso projeto por meio da Metodologia do Bem. Amigos do Bem, além de ser um dos principais projetos sociais do país, é uma instituição que consegue, na prática, promover a transformação na vida das pessoas que vivem no sertão nordestino, dando oportunidades de estudo, de trabalho, de moradia, de renda e, principalmente, de dar às pessoas a possibilidade de acreditar em um futuro diferente.
Acreditamos que todo ser humano é capaz de se desenvolver, desde que lhe sejam oferecidas as condições favoráveis. Hoje, temos crianças nas escolas, a primeira geração de jovens nas universidades e com acesso a cursos de tecnologia e programação. Mulheres no sertão podem ser protagonistas das próprias histórias. Outro dia ouvi uma trabalhadora da nossa fábrica dizer que estava muito feliz por poder escolher a cor do chinelo dos filhos, porque agora ela tem trabalho e pode comprar. Isso é uma transformação muito grande. Pessoas que antes tinham que andar quilômetros para ter acesso à água, plantavam e não colhiam pela terra seca, e que agora vivem em casas novas, com banheiro, camas confortáveis e chuveiros. Isso é transformar e levar condições dignas de vida às pessoas.
O negócio social com as castanhas têm a renda revertida aos projetos sociais no sertão. Pode explicar como surgiu esse projeto e em que momento está hoje?
Nós acreditamos que a responsabilidade de transformar o Brasil é de cada um; a única forma de romper o ciclo de miséria é através da intervenção humana. Nós acreditamos na vitória do ser humano. Nosso lema é: “Se não posso fazer tudo o que devo; devo, ao menos, fazer tudo o que posso”. Os Amigos do Bem já provaram que a miséria tem solução.
Com projetos nas áreas de educação, geração de renda, saúde e infraestrutura, mostramos que erradicar a pobreza na região mais carente do país é possível! Quando olhamos para o futuro, imaginamos esse modelo de transformação replicado em diversas regiões do Brasil e do mundo, para que a fome e a miséria deixem de ser realidade. Criamos um modelo de Desenvolvimento Social Sustentável, um ciclo virtuoso de transformação, que pode ser replicado. Durante anos, levamos alimentos, água, moradia e atendimentos de saúde para as pessoas, mas sabemos que a mudança efetiva só será possível com educação, trabalho e renda.
Ao longo dos anos, identificamos os recursos e as características locais e criamos projetos de geração de renda de acordo com o potencial de cada região. Hoje, geramos 1500 empregos diretos no sertão e temos 15 unidades produtivas. Em Pernambuco e no Ceará, por exemplo, escolhemos a cultura do caju por se adaptar a regiões secas. Nossas mudas são do caju anão por ter uma árvore mais baixa, o que facilita a colheita, e o fruto gera uma castanha maior, valorizando o produto final que é beneficiado em nossas fábricas.
Criamos um modelo de Desenvolvimento Social Sustentável, que mantém as crianças nas escolas e gera trabalho e renda a quem vive no sertão. Além de gerarmos trabalho, renda e desenvolvimento econômico local, todo recurso obtido com a venda dos produtos 100% solidários é destinado a nossos projetos socioeducacionais. Estimulamos, assim, o desenvolvimento social direto e indireto, além de promovermos a transformação de vidas e um grande impacto social.
Hoje, temos castanhas, doces, mel, produtos que são feitos por homens e mulheres no sertão nordestino, sendo vendidos nas principais redes de supermercados do país, além do nosso e-commerce. Temos cestas e kits que também são comprados por empresas. Toda a renda obtida com a venda destes produtos é 100% revertida para o projeto social e para as pessoas beneficiadas por ele. O que nos dá muita alegria é ver homens e mulheres hoje vivendo com dignidade, trabalhando, e 10 mil crianças estudando no sertão, construindo um futuro com possibilidades.
Alcione, como funciona o projeto de polinização?
O projeto de polinização está presente em nossa área de campo de Pernambuco e Ceará e tem por objetivo produzir mel a partir do caju, como uma forma de aumentar a produtividade daquela cultura. Nós buscamos aproveitar tudo aquilo que o caju tem a oferecer, porque entendemos que isso se reflete em mais postos de trabalho, mais geração de renda e mais sustentabilidade. Os Produtos do Bem – 100% solidários – sendo vendidos nos principais supermercados do país. Hoje mantemos cerca de 200 caixas de abelhas. O mel é vendido também nas cestas de presentes que disponibilizamos em nosso e-commerce.
E a plantação de 130 mil pés de caju, que incluiu distribuição de mudas para as famílias de povoados, como aconteceu? Vocês pretendem estender esse modelo para outras culturas?
Escolhemos a cultura do caju por se adaptar a regiões secas. Em nossas fazendas localizadas no sertão, nos municípios de Mauriti (CE) e Buíque (PE), 130 mil pés de cajueiros, cultivados em 630 hectares, estão em produção para serem beneficiados e se transformarem em Produtos do Bem – 100% solidários. A equipe do campo recebe capacitação e acompanhamento regular de agrônomos voluntários e de profissionais da Embrapa para garantir o cultivo adequado e o constante aprimoramento das mudas.
Além disso, temos 100 mil pés dedicados ao projeto mudas, que é a distribuição de milhares de mudas a pequenos produtores da região para gerar renda e estimular a cadeia produtiva local. Ao todo são 230 mil pés de caju.
As fábricas de Pernambuco e do Ceará foram construídas para beneficiar manualmente as castanhas de caju provenientes das plantações locais, gerando centenas de postos de trabalho. A castanha in natura passa pelas mãos habilidosas dos trabalhadores, que enxergam no caju “o fruto da esperança”. Na Cidade do Bem do Catimbau (PE), produzimos doce de leite, de caju, mel e cocada. As pimentas do tipo biquinho e de cheiro são produzidas por cultivo hidropônico e envasadas no Catimbau e em Xexéu (AL), gerando mais oportunidades de trabalho. Estamos estudando junto com parceiros a possibilidade de desenvolvermos outras culturas na região. Os projetos não param.
Um dos focos mais recentes do Amigos do Bem é fortalecer a biodiversidade do Nordeste. Como vocês vêm fazendo isso?
Fortalecemos a biodiversidade do Nordeste quando investimos na plantação do caju, um fruto tipicamente brasileiro, e nas 4 hortas orgânicas, que produzem verduras e frutas que são consumidas por nossas crianças nos Centros de Transformação e nas Cidades do Bem. Nós também investimos na distribuição de água nas regiões secas do sertão, o semiárido mais populoso do mundo, sem este recurso não existe biodiversidade.
Atualmente, vocês atendem a 12 dos 17 ODS. Em que ponto você acha que estão na melhoria de todos esses pontos?
Amigos do Bem atende hoje 12 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU. Somos membros do Pacto Global da ONU no Brasil e me tornei a primeira liderança com impacto no ODS 1 (Erradicação da Pobreza).
Nosso projeto atua praticamente em todas as áreas da vida do ser humano, do recém-nascido ao idoso. Temos um projeto extremamente horizontal e com grandes dimensões. Nosso objetivo é fazermos sempre mais e de forma melhor. Muito já foi feito, mas milhões de pessoas precisam de ajuda para resgatar a sua dignidade.
Quem tem fome não é livre. Trabalhamos para diminuir o sofrimento de hoje e construir um futuro com oportunidades. Queremos um Brasil sem tantas desigualdades.
Principais fontes
Foto principal: Amigos do Bem
Fotos 1,2 e 3: Amigos do Bem
Fotos 4 e 5: Pacto Global da ONU no Brasil