Brasil na COP 27: o que vem pela frente?
Quem responde é Rodrigo Lima, da Agroicone - que participa ativamente das ações globais contra as mudanças climáticas - sobre como o agronegócio brasileiro vem se posicionando nestas discussões
O Entre Solos – Semeando Conexões traz novamente a voz do especialista Rodrigo Lima, que possui 18 anos de experiência em comércio internacional, meio ambiente e desenvolvimento sustentável no setor agropecuário e de energias renováveis.
Antes da realização da COP 27 no Egito, nós fizemos uma entrevista com Rodrigo para falar das expectativas sobre a conferência.
Agora, entre a COP 27 e a COP 15, ele nos concede nova entrevista fazendo uma espécie de balanço do que foi o evento realizado no Egito que ficou sob o olhar atento do mundo todo. Em especial, fala sobre a participação e próximos passos do Brasil, sempre alvo de atenção e muita expectativa por parte de todos os demais países. Confira.
Houve avanços nos principais objetivos da COP 26 nesta COP 27? Se sim, quais? Se não, acredita em algum retrocesso, ou passo atrás?
A COP 27 foi uma conferência de implementação, onde os vários temas do Acordo de Paris foram discutidos visando avançar na adoção de ações de mitigação, adaptação, financiamento climático, mercado de carbono, dentre outros temas. Não se esperava adotar decisões de magnitude e sim que permitam avançar na implementação das metas dos países, traduzidas por suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs em inglês). Saliento a decisão que acordou criar um fundo climático para perdas e danos, demanda histórica das pequenas ilhas e países em desenvolvimento; em 2023 espera-se que as negociações para estabelecer este fundo se intensifiquem. Ainda é essencial destacar a decisão de agricultura, que reconheceu a importância de continuar a discutir de que forma integrar adaptação e redução de emissões na agricultura, considerando o desafio global da segurança alimentar, e criando uma plataforma on-line para que os países apresentem suas estratégias e políticas de agricultura a fim de conectar financiamento climático no apoio aos países. Com o Plano ABC+ nacional e os planos estaduais, temos uma estratégia relevante e poderemos buscar captar recursos para apoiar na implementação do ABC+.
De tudo o que vimos nas notícias da conferência, parece que foi consenso que a fase de planejar, ambicionar mudanças, já passou. Urge tomar atitudes, mudar verdadeiramente o compasso do mundo em relação aos ODS, ao aquecimento global etc. Qual a sua avaliação?
Aumentar a ambição sempre estará no centro das COPs, visto que de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima, é essencial alcançar a neutralidade de emissões no máximo até 2050 para almejar conter o aumento de temperatura em no máximo 1.5°C. Na prática, as metas dos países precisam ser revisadas e sempre mais ambiciosas, como previsto pelo Artigo 4 do Acordo de Paris. Espera-se, por exemplo, que em 2023 o Brasil apresente um plano de implementação de suas metas, contendo, por exemplo, o Plano ABC+, o RenovaBio, uma política de combate ao desmatamento ilegal, dentre outras.
Foi dito que se os recordes de emissões de carbono continuarem no ritmo deste ano, há 50% de chance de que em menos de 10 anos termos aumento acima de 1,5°C. Qual sua opinião sobre isso?
Em outubro de 2022, o Secretariado da UNFCCC apresentou o relatório síntese analisando a ambição atual das 166 NDC apresentadas e apontou que se todas as metas forem alcançadas o aumento de temperatura deverá variar de 2.1 a 2.9 °C. Isso significa que há um gap entre as metas atuais e o que se espera para alcançar a meta de 1.5 °C.
O Brasil já possuía alguns compromissos em relação ao desmatamento antes da COP 27, não é? E agora foi sinalizada a OPEP das Florestas. Pode nos explicar como isso vai funcionar?
Na COP26, o Brasil antecipou sua meta de zerar desmatamento ilegal de 2030 para 2028, o que é ambicioso. No entanto, não apresentou como pretende alcançar essa meta. Em Glasgow vários países assinaram a Glasgow Leaders Declaration on Forests and Land Use, visando cooperar para acabar com o desmatamento e degradação. Como forma de colocar em prática esse compromisso, na COP 27, foi anunciado o Forest and Climate Leadership Partnership. Adicionalmente, Brasil, Indonésia e Congo formalizaram a criação do Rainforest Protection Pact. Ainda é cedo para dizer como e qual será o alcance dessas coalizões. O que se pode afirmar, no entanto, é que o Brasil precisa reduzir drasticamente o desmatamento ilegal, sob pena que sofrer sanções comerciais por parte de vários países.
Houve algum avanço em relação a ajuda dos países ricos aos pobres? Ao aumento dos financiamentos para as necessidades mais urgentes do planeta?
A agenda de mudanças do clima é uma pauta econômica e também ambiental. Financiamento climático é inerente à possibilidade dos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo poderem implementar suas ações. Na COP 27 continuaram as discussões sobre uma nova meta quantificada de financiamento, que deverá ser acordada até 2024, e sobre o cumprimento da meta de US$ 100 bilhões por ano doados pelos países desenvolvidos. Há inúmeras discussões e incertezas sobre quais fontes de recursos serão consideradas para a meta de 100 bilhões, potencialmente incluindo empréstimos dos bancos multilaterais dentre outras fontes.
O mercado de carbono foi amplamente discutido na conferência. Acredita que a partir de agora será mais fácil entender e efetivar os créditos de carbono?
A grande decisão sobre o mercado de carbono foi adotada na COP 26. No Egito, foram adotadas decisões importantes para operacionalizar os mecanismos do Artigo 6.2 e 6.4. Um ponto central será definir, no Brasil, quem será a autoridade nacional responsável pela conexão com os mecanismos do mercado regulado de carbono. Há inúmeros detalhes que precisam ainda ser amadurecidos, o que sugere que o mercado regulado de carbono ainda precisa de aproximadamente 2 a 3 anos para começar a funcionar de verdade.
Por fim, como avalia a participação do Brasil na COP 27? E o que acontece agora, em 2023, no agronegócio brasileiro em relação aos objetivos da conferência?
O Brasil precisa cuidar de desmatamento ilegal, que é a maior fonte de emissões de GEE do país. A agenda de energias renováveis, muito debatida na COP 27 em função da guerra e da retomada de energias fósseis, é um campo onde o Brasil tem diferenciais enormes e pode ampliar muito a diversificação das fontes de energias renováveis. A agropecuária de baixo carbono, tendo o ABC+ como base, deve gerar muitos benefícios para o desenvolvimento da agropecuária, contemplando redução de emissões e especialmente adaptação. Entendo que o Brasil é uma liderança na agenda climática e tende a evoluir muito, mas precisa, verdadeiramente, controlar o desmatamento. Os sinais de que Noruega, Alemanha e Inglaterra querem voltar a contribuir com recursos para conservar florestas e gerar desenvolvimento para essas regiões exige que o Brasil reestruture o Fundo Amazônia e amplie o escopo dos projetos que podem gerar benefícios ambientais e socioeconômicos com base na conservação e na restauração de vegetação nativa.
Principais fontes
Foto: Arquivo pessoal