Conscientização sobre saneamento básico no campo é urgente
De acordo com o pesquisador da Embrapa, Wilson Tadeu Lopes, muitos moradores rurais se acostumaram a viver sem saneamento básico
O Brasil possui aproximadamente 39 milhões de habitantes morando na área rural e comunidades isoladas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – PNAD 2019). Desta população, somente 20,5% têm acesso a serviços adequados de saneamento básico. Dentro desse cenário, setores públicos e privados e instituições como a Embrapa têm trabalhado para acelerar os processos de conscientização e instalação dos sistemas de tratamento e coleta de esgoto para suprir todas as populações que vivem nessas áreas.
Uma destas ações é um curso virtual com o tema “Saneamento Básico Rural”, que tem como objetivo capacitar o maior número de pessoas, desde o pequeno agricultor, até gestores públicos e acadêmicos.
Para esclarecer todos esses processos e entender em que patamar o Brasil se encontra nesse sentido, o Entre Solos traz uma entrevista com o pesquisador da Embrapa Instrumentação, Wilson Tadeu Lopes da Silva. Vamos conferir!
Qual é a principal necessidade da zona rural em relação ao saneamento básico?
São muitas as necessidades. Se olharmos na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2015, enquanto a área urbana tem mais de 90% de água tratada, na área rural esse número corresponde a menos de 50%. Se falarmos em coleta e tratamento de esgoto, a situação é bem mais complicada. Enquanto os números no Brasil, são da ordem de 55% a 60% da população urbana, com coleta e tratamento de esgoto, na área rural esse número não chega a 20%. Esses são dados do Programa Nacional de Habitação Rural.
Em 2019, dos 39 milhões de habitantes da área rural, somente 20,5% tinham coleta e tratamento de esgoto. Ou seja, apenas 8 milhões de pessoas no campo possuíam condições satisfatórias em termos de recursos hídricos, enquanto que aproximadamente 31 milhões tinham problemas com a água. Então tem muito por fazer. Quando falamos de necessidade, temos que entender que as tecnologias tanto para água tratada quanto para rede de esgoto, precisam ser tecnologias simples, eficientes e que atendam a demanda do produtor. Essas tecnologias têm que se adequar a rotina dos trabalhadores, ter custos de instalação acessíveis, materiais fáceis de serem encontrados e que sejam facilmente replicáveis. Então é uma demanda grande e um trabalho que deve ser feito a muitas mãos.
Que prejuízos a falta do saneamento básico acarreta para o desenvolvimento da zona rural?
São muitos prejuízos. Quando falamos da falta de saneamento básico, estamos falando de saúde. Saúde do trabalhador e do produtor. A pessoa que fica sem saneamento básico fica mais doente e ficando mais doente produz menos. Existe também um aspecto que está relacionado às crianças. Sem saneamento elas ficam mais suscetíveis a terem verminoses, entre outras doenças parasitárias; além de uma maior quantidade de diarreias e tantas outras patologias que são veiculadas pela água contaminada. Uma criança que tem parasitose ou tem problemas de doenças crônicas, vai ter um rendimento escolar que é muito inferior ao das outras crianças, comprometendo a sua educação básica. Essa pessoa provavelmente também vai ter dificuldade na sua vida adulta.
A falta de saneamento hoje compromete a vida do cidadão adulto amanhã. Em relação às mulheres, não podemos esquecer que o saneamento básico também está relacionado à equidade de gênero, porque onde têm muitas pessoas doentes, geralmente quem vai cuidar são as mulheres. Então elas se sobrecarregam em função dessas ações.
Resumindo, a falta de saneamento traz uma série de prejuízos à saúde pública, ao desenvolvimento das crianças, às possibilidades de trabalho e vida das mulheres. Além disso, traz prejuízos ambientais, porque a contaminação do meio ambiente e consequentemente dos recursos hídricos, acarreta em prejuízos também à população urbana. Uma vez que, uma água de pior qualidade, fruto de irrigação no campo, passa a ser utilizada no meio urbano, por meio dos rios. Então é algo muito sistêmico e complexo.
Quais ações e projetos a Embrapa desenvolve em relação ao saneamento básico rural?
Trabalhamos com saneamento básico desde 2002. No ano passado completamos 20 anos de estudos e projetos nesse tema. Inicialmente, olhamos para a questão tecnológica, então desenvolvemos sistemas de tratamento de esgoto, sistemas de desinfecção de água, e assim por diante. Ao longo do tempo, conversando com as pessoas notamos a necessidade de capacitação do futuro beneficiário. Nesse sentido, fazemos ações sociais, trabalhamos muito o reuso de efluentes tratados, que é uma forma de fazer com que o produtor adote tecnologias de tratamento e coleta de água e esgoto, trazendo algum tipo de retorno direto dessas ações. Desta forma também reduzimos os impactos ambientais e promovemos a qualidade de vida das pessoas.
Atualmente também notamos a importância das políticas públicas, então trabalhamos no sentido de prover informações para os legisladores para construir políticas que sejam adequadas e que funcionem de uma maneira interessante para a população rural, atendendo às diferentes realidades. No Brasil, temos populações tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, entre outras. Por isso trabalhamos com a conscientização e capacitação de agentes multiplicadores – profissionais que trabalham esse tema e que precisam entender que o saneamento básico rural é diferente do urbano pois envolve aspectos sociais, aspectos tecnológicos e ambientais, que geralmente na área urbana não são considerados da mesma maneira.
A Embrapa desenvolve um curso virtual com o tema “Saneamento Básico Rural”. Qual é o objetivo desse curso e como pretende auxiliar os moradores da zona rural?
Nós já fazíamos capacitações presenciais, fizemos vários cursos financiados pela Embrapa, Banco do Brasil, entre outras instituições; e esse contato direto com as pessoas é sempre muito bom. Entretanto, observamos que a nossa eficácia no sentido de atingir o maior número de pessoas era relativamente baixa, por conta da nossa limitante capacidade de mobilização e os altos custos que essa reflete. Em função disso, resolvemos montar a nossa capacitação virtual.
Além disso, depois da pandemia, as pessoas ficaram mais atentas às ferramentas digitais, não somente de comunicação, mas também de cursos à distância, e notaram que essas ferramentas podem ser uma forma interessante de aprendizado. Então, percebemos que valeria a pena pensar numa capacitação virtual para tentar atingir o maior número de pessoas nos quatro cantos deste país e até no exterior.
O nosso objetivo é prover uma informação de qualidade, desenvolvida com uma linguagem de web, para quem deseja trabalhar com esse tema, mas também com a construção de uma massa crítica – para que as pessoas consigam mobilizar a sua população, seus gestores e políticos de uma maneira geral. Desta forma, contribuir para a implementação de políticas públicas locais, de maneira estruturada e pensada dentro de uma lógica de desenvolvimento, é o mais importante. Não é simplesmente sair instalando sistemas de água e esgoto, mas fazer com que esses sistemas estejam dentro de uma lógica de desenvolvimento local, regional e nacional.
Quais são as leis relacionadas ao saneamento básico, que a população deve conhecer?
A primeira lei é o marco legal do saneamento básico, que trata de todos os aspectos relativos ao saneamento básico do ponto de vista das normas, da gestão, da política nos âmbitos nacional, estadual e local. Na lei também existe uma parte importante que fala a respeito do que deve ser o saneamento básico até 2033 no Brasil. Até o dia 31 de dezembro de 2033, o Brasil deve ter pelo menos, 99% da população geral do país com água tratada e com coleta e tratamento de esgoto. Isso é muito importante e coloca uma métrica que deve ser olhada pelos gestores públicos, pelas empresas, autarquias e assim por diante.
Existe também o Programa Nacional de Saneamento Rural, portaria que trata sobre o que fazer com o saneamento básico olhando para essas populações. Composto por três eixos principais: tecnologia, mobilização social e políticas e gestão. Esse programa faz um panorama muito interessante do ponto de vista de dados para o saneamento básico. Foi publicado em 2019, e hoje é o mais atualizado em relação a dados do saneamento rural no Brasil.
Existe também o Plano Nacional do Saneamento Básico (PLANSAB), que visa operacionalizar as leis de uma maneira geral. O PLANSAB determina que todas as prefeituras tenham o seu plano municipal de saneamento básico. Esses planos devem fazer um diagnóstico da situação, estabelecer quais são as ações a serem realizadas, custos e métricas para que as coisas se realizem. Muitos planos municipais não tratam do saneamento rural e isso é algo que deve ser corrigido. Então são muitas leis.
Que atitudes a população rural pode tomar para diminuir os problemas da falta de saneamento básico?
A primeira é reconhecer que a falta de saneamento é um problema. Muitos estão acostumados a viver sem. Então pra eles, ter diarreias e verminoses é algo cotidiano e normal, mas sabemos que não é. Esse é um problema de saúde pública que deve ser corrigido e a população tem que reconhecer isso. Para isso, são necessários programas de sensibilização dessa população para que percebam isso. Quando eles perceberem que isso é um problema e acarretam doenças, a sequência é como fazer.
A população rural deve procurar técnicos, pessoas que possam ajudá-la, a prefeitura para cobrar o saneamento rural dentro dos planos municipais. E, conforme recebam o sistema de saneamento nas suas residências, precisam ser responsáveis pela manutenção cotidiana desses sistemas. Então, devem fazer manutenção, limpeza, roçada (caso seja necessária), mas o monitoramento deve ser feito pelo órgão gestor de saneamento daquele território, seja uma prefeitura, uma autarquia, uma empresa pública, e assim por diante. Mas com certeza, a população deve atuar como parceira dentro de todo esse processo. E tudo começa pelo reconhecimento do problema e como ele pode ser corrigido, procurando profissionais capacitados para isso – e esperamos que esses sejam capacitados pelo nosso curso virtual.
Fale sobre os projetos da “Fossa Séptica Biodigestora” e o “Clorador Embrapa” e de como podem contribuir para a qualidade de vida da população rural?
A fossa séptica biodigestora é uma tecnologia muito simples, construída com caixas de fibra de vidro que ficam semi-enterradas no solo. É um sistema de fermentação anaeróbia, então o esgoto cai dentro desses sistemas que são vedados, fermenta dentro desse sistema e nesse processo ocorre o tratamento e a descontaminação desse líquido. É um processo importante e permite que o morador da área rural entenda facilmente. Existe ainda uma vantagem de que o líquido tratado pode ser utilizado no solo como fertilizante para culturas em que o líquido não entra diretamente em contato. Isso justamente por uma questão de segurança, fazendo o reuso da água e dos nutrientes contidos ali. Um sistema que responde muito bem e a gente nota que muitos agricultores se utilizam dessa tecnologia para melhorar a produtividade mesmo que em pequena escala. Pode parecer muito pouco, mas principalmente para famílias vulneráveis, esse líquido pode fazer bastante diferença do ponto de vista de segurança alimentar da família.
O clorador Embrapa é uma tecnologia pensada para fazer a cloração da água na residência. É como se fosse um funil que a gente coloca no meio da rede e através de algumas válvulas, registros, torneiras, a gente consegue colocar o cloro na rede e a pressão da água leva o cloro até a caixa d’água, gerando toda a água que vai ser utilizada na residência. Água clorada na quantidade certa e desinfetada evitando uma série de doenças para a família. Tudo isso é apresentado de maneira clara em nossos cursos com vídeos ilustrativos e assim por diante.
Existe uma terceira tecnologia que é o Jardim Filtrante. É um pequeno lago impermeável com uma borracha por baixo. A gente enche esse lago com pedras e com areia, coloca-se plantas e simula aquilo que seria um brejo. O brejo tem uma característica interessante que tem microrganismos que fazem a descontaminação de todo aquele resíduo que vem da bacia, permitindo que o rio mantenha essa qualidade ambiental. O conceito geral dessa tecnologia é chamado de áreas alagadas construídas e funciona muito bem para o tratamento do que a gente chama de águas cinzas, que são o restante do esgoto da residência que não é o do vaso sanitário.
A fossa séptica biodigestora trata somente o esgoto do vaso sanitário e o jardim filtrante trata do restante do esgoto da residência de uma maneira muito simples, fazendo o que a natureza sempre fez. Ela regenera o que é um resíduo, que é processado química e biologicamente, e se transforma em insumo para a própria natureza. São tecnologias baseadas na natureza que têm o olhar para o reuso, trazendo rendimento para o produtor.
Existem avanços em relação a políticas públicas para promover o saneamento básico na área rural?
Com a promulgação do marco legal, existe uma determinação de que a população rural deva ser olhada com mais atenção. Esse já é um avanço e tem trazido muitas discussões entre as prefeituras e empresas públicas sobre esse tema. O Programa Nacional de Saneamento Rural traz métricas e explica formas de atuar nesses termos, o que é muito importante também. Existem ainda os comitês de bacias hidrográficas que têm trabalhado com o tema, municípios, secretarias de meio ambiente e ainda temos visto essa movimentação nos níveis regionais e estaduais. Entendemos que ainda há muito a ser feito, e esperamos que esse processo seja constante e duradouro, olhando não somente para a instalação de sistemas, mas também para a gestão pós instalação.
Eu acredito que nos próximos anos os trabalhos com saneamento básico rural vão avançar bastante no Brasil. A Embrapa, com todo o conhecimento que tem acumulado, pode auxiliar muito, tornando as políticas públicas mais eficientes e promovendo o conhecimento de uma maneira mais abrangente para os diferentes atores. A Embrapa pode e deve trabalhar com isso, e nós da Embrapa Instrumentação temos muito orgulho em poder atuar dentro desse conceito de uma maneira abrangente, e com uma linguagem que seja adequada para os diferentes públicos, desde o agricultor mais simples até o gestor público e/ou o acadêmico. Existem avanços, e esperamos que sejam perenes até que o saneamento básico se torne cotidiano para toda a população.
Principais fontes
Fotos: Arquivo pessoal