Favela é sinônimo de potência e não de carência
Celso Athayde, fundador da Cufa, fala sobre o potencial dos moradores das favelas e ações importantes nas áreas de saúde, educação e cultura
A Cufa (Central Única das Favelas) é uma organização brasileira reconhecida nacional e internacionalmente, que atua nas áreas de educação, esporte, cultura e cidadania. Durante o último evento do Pacto Global em Nova York, o fundador da Cufa, Celso Athayde, foi um dos palestrantes e falou sobre as iniciativas da instituição que é referência em temas como Juventude, Afrodescendência e Habitação.
Para contar mais sobre esse importante trabalho, o Entre Solos – Semeando Conexões, entrevistou Athayde que falou da potência da favela para a economia brasileira.
Como surgiu a Cufa e qual eram os objetivos no início?
A Cufa surgiu há 24 anos, dentro do movimento hip hop. Por meio de um grupo de rappers, nosso principal objetivo era refletir sobre o movimento e gerar ações concretas de mudança na sociedade. Queríamos revolucionar, mas ainda não sabíamos direito que revolução era essa. Foi quando começamos a fazer reuniões, discutindo alternativas para os jovens das favelas. Eram reflexões sobre a violência e meios de sobrevivência. Esse movimento começou a ir para vários estados e hoje está em 5 mil favelas. Nossa ideia era sair dos quatro elementos do hip hop (quatro elementos artísticos: grafite, break, MC e o DJ, esses dois últimos constituem o Rap) para pensar no empreendedorismo. Já pensávamos em empreender, mas não conhecíamos essa nomenclatura. Como a renda na favela é baixa, é preciso empreender para sobreviver. Por isso, a qualificação da base da pirâmide é tão importante para nós.
Quais são as principais frentes de trabalho da Cufa?
Nosso trabalho é muito descentralizado e eu sempre preguei uma Cufa sem hierarquias. Temos o movimento hip hop como essência e a nossa maior frente é o empreendedorismo. Ele é o campeão de toda a cadeia de trabalho da Cufa. No projeto Taça das Favelas, por exemplo, o trabalho é com jovens favelados do país inteiro. São cerca de 600 mil jovens participando e quem empreende são os professores que encontram esses talentos e recebem para isso, e os jovens que também ganham para participar.
Com os projetos de audiovisual, sempre focamos no empreendedorismo, com a possibilidade de migração para outras classes sociais, ou seja, ascensão social. O empreendedorismo dialoga com desejo, realizações e felicidade. Se não tiverem dinheiro, as pessoas não podem ser felizes porque não têm escolhas. Elas não conseguem ter o básico. Sem dinheiro, as pessoas não podem escolher que tipo de telefone vão comprar, que roupa vão usar ou que tipo de cultura vão consumir.
Quantas pessoas em média são atendidas pela Cufa?
Atendemos, direta e indiretamente, cerca de 20 milhões de pessoas. Na pandemia, atendemos mais de 5 milhões de famílias. São ajudas que vão desde uma cesta básica até cursos, iniciativas, então é um atendimento muito amplo.
A Cufa também proporciona convênios com a área médica, o que facilita o acesso à saúde. Como funciona esse serviço?
A Cufa tem convênios com dentistas, psicólogos e médicos especialistas. Esse trabalho cresceu muito durante a pandemia, quando criamos núcleos de atendimento e parcerias com profissionais de diferentes especialidades.
A Central também trabalha com foco no combate à fome. Como está esse trabalho atualmente?
Temos diferentes trabalhos nesta frente de combate à fome. Projetos com pescadores, com mulheres, enfim, diferentes iniciativas nesse sentido. Porém, nosso foco é trabalhar o empreendedorismo para gerar receita, emprego e renda. Temos uma holding de 27 empresas dentro das favelas e quase 500 agências de viagem. Nosso objetivo é desenvolver a economia dentro das favelas para que as pessoas sejam integradas e possam comprar comida. Preferimos focar no empreendedorismo para que a mãe não precise escolher qual filho vai comer hoje ou se só os filhos vão comer e os pais não.
Como os ODS se encaixam nas ações da Cufa e como você avalia a sua participação no último evento do Pacto Global?
Eu acho que os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e os eventos do Pacto Global são fundamentais para o avanço das agendas, porque promovem reflexões, assinaturas de compromissos e reúnem na mesma mesa, pessoas e entidades que vão ajudar no avanço desses objetivos. Se as agendas do Pacto Global avançam e dão resultados, automaticamente vão impactar em diferentes questões como de gênero, juventude, recorte racial, combate à fome, entre outras. Isso impacta positivamente na sociedade e faz com que o nosso trabalho alcance outros patamares. Por exemplo: Se avançarmos na questão da moradia, o próximo passo é falar de transporte e segurança. Quanto mais as pessoas são impactadas, menos problemas a gente vai ter.
Athayde nos EUA durante evento da Assembleia Geral da ONU 2022
Qual a mensagem que você pode deixar para quem lê sobre o seu trabalho e objetivos?
Uma mensagem que eu quero deixar é que as pessoas retirem o termo carente quando forem falar sobre as pessoas que moram nas favelas. Eu fui carente quando vivi por dois anos em um abrigo público. Deixei de ser carente quando eu fui morar na favela. As pessoas que moram na favela vão aos shoppings, fazem compras e pagam os mesmos impostos que todos os outros cidadãos. Não existe uma carteirinha dizendo que eles são carentes. Eles podem não ter uma alta renda, mas vemos que as empresas de telefonia, por exemplo, fazem planos que cabem no bolso desta população. As favelas geram cerca de 180 bilhões de reais por ano, segundo levantamento do Instituto Data Favela.
Ajuda muito se as pessoas deixarem de ver esses moradores de favelas como carentes e começarem a ver como potência. É preciso tirar esse olhar de que as pessoas precisam de uma roupa velha e rasgada ou de um prato de comida. Elas precisam de oportunidade. É preciso potencializar ainda mais esses talentos que estão nas favelas e criar soluções para os problemas. Favela não é sinônimo de pobreza, favela é sinônimo de potência.
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Foto: Divulgação