O desafio de se alimentar com sustentabilidade
Nesta entrevista, a nutricionista Lara Natacci dá dicas de como é possível buscar alimentação saudável e respeitar o meio ambiente e a agricultura sustentável
A nutricionista Lara Natacci explica como é possível buscar uma alimentação saudável que respeite o meio ambiente e a agricultura sustentável.Para quem vive no campo, trabalha na agricultura, não é difícil buscar uma alimentação saudável e cheia dos nutrientes que a natureza produz. Mas para a população das cidades, dos grandes centros urbanos, as dúvidas estão sempre pairando no ar. Como por exemplo: “Devo me alimentar somente com produtos orgânicos?”; “Quais são os alimentos obrigatórios para uma alimentação saudável?”; “Como ter sustentabilidade à mesa?”.
A autora de cinco livros, Lara Natacci, nutricionista, mestre e doutora pela Faculdade de Medicina da USP que atua na área há mais de 20 anos, responde a essas e outras perguntas nesta entrevista.
Seu mestrado e doutorado foram com enfoque no comportamento alimentar, além das especializações em Nutrição Clínica Funcional, em Transtornos Alimentares pela Universidade de Paris e em Bases Fisiológicas da Nutrição no Esporte pela UNIFESP. Também possui formação em Coaching de Bem Estar pela Wellcoaches, em parceria com a American College of Sports and Medicine.
A profissional da nutrição se dedica hoje ao atendimento em consultório, a dar palestras, participar de eventos, vídeos de educação nutricional, aulas em pós-graduações, etc. Está à frente da clínica Dietnet Nutrição, Saúde e Bem Estar, onde trabalham 10 nutricionistas com atendimento clínico e exames de calorimetria indireta e bioimpedância. Entre os temas de seu conhecimento e abordagem, estão: mudança de comportamento, coaching para emagrecer, alimentação antes e depois das atividades físicas, alimentação orgânica e o cuidado com agrotóxicos nos alimentos.
O Entre Solos – Semeando Conexões realizou essa entrevista com a Lara para entender como é possível se alimentar respeitando os conceitos básicos da sustentabilidade. Confira.
Você diz em seu perfil que seu foco é comportamento alimentar. O que quer dizer isso e como é o seu trabalho diante desse ou desses comportamentos?
Eu falo que o meu foco é comportamento alimentar, porque eu trabalho mudança de comportamento, mudança de hábitos com os meus pacientes, porque assim a gente consegue mudanças que sejam sustentáveis. Se eu consigo mudar um comportamento, se eu consigo mudar um hábito, a pessoa adquire uma nova forma de se comportar e um novo hábito. E aí a gente consegue manter essas mudanças. Eu sempre falo que pequenas mudanças geram grandes resultados se mantidas, né? Então, a ideia é realmente fazer pequenas mudanças na alimentação, preferir incluir alimentos que vão trazer benefícios, que vão trazer saciedade, vão trazer nutrientes que são importantes para o nosso metabolismo funcionar direito. É melhor incluir do que excluir, e fazer pequenas alterações. Por exemplo, montar pratos equilibrados que sejam compostos, por exemplo, para almoço e jantar. Metade do prato com verduras e legumes. A outra metade, se divide entre alimentos ricos em proteínas e alimentos ricos em carboidratos, sendo que a gente vai dar preferência aos carboidratos mais ricos em fibras, porque a gente tem refeições ricas em fibras e ricas em proteínas, que dão mais saciedade. Mastigar bem os alimentos, comer sem distrações são outros comportamentos que ajudam a pessoa a ficar saciada por mais tempo também. E aí, nas refeições intermediárias, sempre colocar uma fruta, uma fonte de proteínas também, que pode ser um laticínio, um derivado de leite.
Outra definição sua é não concordar com dietas severas ou da moda. Qual é o segredo para se alcançar uma nutrição saudável e sem grande sofrimento?
O fato de eu não concordar com as dietas severas ou dietas de moda é porque quando a gente faz uma dieta muito severa, uma dieta restritiva como essas, dietas de moda mesmo, que a gente está acostumado a ver nas revistas e nos jornais, a gente até consegue perder peso, mas a gente não consegue manter. Então eu digo que essas dietas não são sustentáveis em um longo prazo, porque a pessoa tem resultado ou perde peso, mas ela volta a ganhar peso depois. E aí quando acontece esse processo de ela perder peso, ela perde peso rápido, ela perde inclusive massa muscular, mais massa muscular do que gordura e quando ela recupera o peso, ela ganha mais gordura e ela fica no efeito sanfona durante a vida inteira. Então essa é a grande questão dessas dietas de moda, é a gente não trabalhar o comportamento, trabalhar só a restrição, né? Que elas têm essas consequências. Em curto prazo, elas podem ter um bom resultado, mas em médio e longo prazo, elas têm um resultado muito ruim. Inclusive eu estudo isso desde 2000, na França, quando eu fui para lá para estudar comportamento alimentar. Então eu trabalho com o fato de evitar a restrição desde essa época, né? E aí os resultados demoram mais para aparecer, mas eles são mantidos com mais facilidade.
O nosso foco, do Entre Solos, é falar sobre sustentabilidade. E sobre a conexão entre o campo e a cidade. Como esses cenários se relacionam, na sua opinião, à nutrição?
Bom, os cenários de sustentabilidade e nutrição se relacionam bastante. Trabalho muito com aquela dieta para a saúde do planeta, que é uma dieta flexitariana, onde a gente diminui a ingestão dos alimentos de origem animal e aí aumenta a injeção de alimentos de origem vegetal. Com isso, a gente diminui a emissão de gases de efeito estufa, porque a gente tem menos proteína animal no nosso cardápio e a gente sabe que grande parte da liberação de gases de efeito estufa se dá pelo desmatamento e pela criação de gado. Então, tanto o desmatamento para criação de gado, para pasto e tudo mais, quanto o próprio boi que emite gases também na atmosfera. Os animais emitem gases. Então quando a gente diminui esse consumo de alimentos de origem animal, a gente diminui a emissão de gases de efeito estufa. E, ao mesmo tempo, a gente sabe que esses alimentos de origem animal são ricos em gordura saturada. Então, quando a gente beneficia o planeta, diminuindo emissão de gases de efeito estufa, a gente também beneficia o nosso corpo, porque a gente ingere menos alimentos que são ricos em gorduras saturadas e essa dieta para a saúde planetária foi proposta por um pesquisador norte-americano de Harvard, o nome dele é Willett. Ele criou esse padrão de alimentação, que é como se fosse uma dieta flexitariana, como eu te falei, né? Diminuindo o consumo de alimentos de origem animal. E segundo os estudos dele, do grupo dele, a gente consegue melhorar, inclusive a condição do planeta com isso. Então, é possível, sim, a gente relacionar nutrição com a sustentabilidade através de uma dieta que contemple isso. E a gente vê uma tendência no mundo inteiro para a diminuição do consumo de alimentos de origem animal e uma maior atenção aos alimentos de origem vegetal, então, existe essa associação, sim.
É possível então se alimentar com sustentabilidade? Como, que dicas você daria para quem quer seguir as boas práticas?
Pode ser um laticínio, um derivado de leite, uma fruta, e também algum alimento rico em fibra, como por exemplo um cereal integral. Então a alimentação durante todo o dia ficaria assim, e a gente teria uma nutrição saudável, com todos os nutrientes que a gente precisa, sem o sofrimento. Obedecendo no mínimo a regra do ‘5 ao dia’ (iniciativa da Organização Mundial da Saúde – OMS – e busca estimular as pessoas a comerem pelo menos 400 gramas ou cinco porções de frutas, legumes e verduras ao dia), que é a recomendação da organização mundial de saúde sobre a ingestão de frutas, legumes e verduras. Então, com isso, a gente consegue ter uma alimentação bem adequada e a gente não fica com fome.
A agricultura é tão variada hoje… você em sua clínica e consultório indica alimentos específicos provenientes das lavouras ou propriedades rurais?
No consultório, a gente indica sim, dá preferência para comprar de pequenos produtores. Mais do que isso, a gente pede sempre para comprar o alimento na safra, porque normalmente ele está mais barato, né? E aí ele está mais abundante também, com bom valor nutricional e com menos defensivos químicos, porque eles vão precisar de menos, porque a produção é um pouco melhor, a produção é mais sustentável. Então a gente usa essas orientações, porque a gente acaba atendendo um grande número de pessoas e nem todas têm condição de comprar, por exemplo, alimentos orgânicos. Por isso, é importante que a gente tenha essas recomendações aqui.
Como nutricionista científica, o que é sustentabilidade para você?
A gente não usa aqui o termo sustentabilidade para falar de dois aspectos. Eu falo da sustentabilidade, da gente conseguir ter uma alimentação que seja sustentável no que diz respeito a sustentar o comportamento, manter o comportamento ou manter os benefícios que a gente teve com uma mudança da alimentação. Mas a gente vê sustentabilidade como equilíbrio, né? Da disponibilidade do que a gente tem de recursos, e do uso que a gente tem desses recursos. Então um equilíbrio a gente pode chamar de sustentabilidade. É importante a gente pensar nisso.
Se pudesse dar dicas para uma família grande, que se alimenta sempre reunida, da criança ao idoso, o que diria?
A primeira dica para a família seria continuar se alimentando reunida, porque o que os estudos dizem é que quando a gente faz mais refeições em família, a gente tem uma tendência a ter uma alimentação mais equilibrada, então isso é importante, né? Outra coisa importante é disponibilizar os alimentos cujo consumo a gente quer aumentar. Porque o ambiente influencia muito a nossa ingestão alimentar, o ambiente que a gente frequenta, que a gente está. Então, quando a gente tem, por exemplo, alimentos cujo consumo a gente quer aumentar, como frutas, legumes e verduras, quando eles estão no nosso campo de visão, a gente consome maior quantidade. Também é importante fazer com que a família inteira participe de todas as etapas da refeição, desde o planejamento até a compra, o preparo, a colocação da mesa, porque isso faz com que as pessoas sintam pertencimento à refeição e ajuda a estimular o consumo dos alimentos que eles ajudaram a preparar ou que ajudaram a planejar. Isso é muito importante. E finalmente ter uma alimentação equilibrada com aqueles alimentos que eu já citei que vão trazer mais nutrientes e montar os pratos como mencionei antes também. A gente tem, dessa forma, uma alimentação bem equilibrada.
Principais fontes
Foto: Arquivo Pessoal