O ato que transforma
O que o consumo e a superexploração dos recursos naturais tem a ver com você?
Desperdiçar alimentos, água, energia e outras riquezas finitas são práticas que ameaçam a sustentabilidade dos indivíduos e do planeta. E a simples mudança de atitude, a partir das pequenas ações individuais, como aproveitar os talos de uma beterraba em um refogado ao invés de jogá-los fora ou tomar um banho mais curto, contam muito. Além das pessoas, as empresas e os governos também devem repensar seus processos e suas contradições. Nossa agricultura figura entre as maiores produtoras de alimentos do mundo, mas convivemos com a fome de um número cada vez maior de brasileiros e com altas taxas de desperdício da lavoura à mesa. Felipe Seffrin, coordenador de comunicação do Instituto Akatu, que há mais de duas décadas levanta a bandeira do consumo consciente, fala a respeito e aponta caminhos possíveis.
Quais os principais pontos do novo guia que o Akatu lançou no fim de novembro?
A Pesquisa Vida Saudável e Sustentável 2021: Um estudo global de percepções do consumidor, foi realizada pelo Instituto Akatu em parceria com a GlobeScan e ouviu consumidores de 31 países, sendo mil entrevistados no Brasil. Entre os resultados, percebe-se uma elevada consciência do consumidor brasileiro sobre a responsabilidade de empresas e sobre a necessidade de todos lidarmos com a crise climática. Quase 70% dos respondentes, por exemplo, consideram que o Brasil deve ter um papel de liderança, com metas ambiciosas para combater as mudanças climáticas o mais rápido possível. E 77% dos brasileiros afirmam que o que é bom para um indivíduo nem sempre é bom para o meio ambiente, contra 43% na média mundial. Paralelamente, em comparação com os demais países da média global, os brasileiros sentem maior necessidade de apoio do governo (cerca de 60%) e das empresas (cerca de 50%) para a adoção de hábitos saudáveis e sustentáveis.
Esse ano foi divulgado o Índice de Desperdício de Alimentos 2021, onde foi estimado um desperdício de pelo menos 931 milhões de toneladas de alimentos em 2019. No seu ponto de vista, quais seriam as principais causas de tanto desperdício?
Uma das causas é cultural, com uma fartura de alimentos e com a ideia de que “é melhor sobrar do que faltar” em muitas casas e famílias, sem a conscientização por parte da população de que vivemos em um país onde muitas famílias ainda passam fome e que desperdiçar alimentos é ruim para o nosso próprio bolso, para a sociedade e para o meio ambiente, uma vez que esses alimentos que poderiam ser aproveitados vão para lixões e aterros sanitários onde emitem gases poluentes em seu processo de decomposição. Ou seja, faltam ações educativas por parte das empresas e políticas públicas que orientem o consumidor quanto os impactos negativos do desperdício, promovendo um consumo consciente de alimentos da produção (muitas toneladas se perdem da lavoura aos mercados) ao uso (diversas partes nutritivas como cascas, sementes e talos são ignorados) e ao desperdício no descarte.
Como podemos fazer as melhores escolhas?
Nós, enquanto consumidores, podemos colocar em prática diversas ações de consumo consciente de alimentos. Uma delas é priorizar alimentos orgânicos e saudáveis, livres de agrotóxicos, o que traz benefícios para a nossa saúde, incentiva pequenos produtores ou produtores locais e evita o crescimento da indústria de alimentos que utiliza elementos químicos que ameaçam o solo e as nascentes. Comprar legumes, frutas e verduras sem julgar a aparência deles também é outra prática: em geral os alimentos considerados feios são descartados, mas eles possuem os mesmos valores nutricionais e energéticos de alimentos considerados bonitos. Utilizar todos os alimentos de forma integral, criando receitas com sementes, talos e cascas também evita o desperdício. Cozinhar pequenas porções, aproveitar o que sobrou em novas receitas ou congelar os restos para uma refeição futura são outras práticas de consumo consciente. Para além disso, reduzir o consumo de carne vermelha na medida do possível também se mostra importante, uma vez que a pecuária é uma das grandes responsáveis pelo desmatamento e pelas queimadas para a abertura de pastos, o que ameaça ecossistemas e emite gases poluentes que levam à crise climática.
Sobre a cadeia produtiva de alimentos brasileira (campo, transporte, armazenamento, processamento, comércio e consumo), onde vê uma maior necessidade de investimentos?
Em tese, sempre há espaço para melhorias e novas tecnologias em todos esses setores. De modo geral, a agropecuária é um setor que consome muita água (66,1% de toda a água consumida nas bacias hidrográficas brasileiras vai para a irrigação e 11,1% para o abastecimento animal segundo a ANA) e, em tempos de crise hídrica, fica evidente que é necessária uma melhor gestão do uso dos nossos recursos naturais finitos na produção de alimentos. Por parte do governo, é necessário mais investimento em controle e fiscalização para que possamos preservar nossas nascentes, florestas e ecossistemas, com uma produção de alimentos aliada ao desenvolvimento sustentável. Na outra ponta, a indústria como um todo, não somente a alimentícia, pode e deve modernizar seus meios de produção, adotando fontes de energia limpa, gestão adequada de recursos naturais, gestão adequada de resíduos e uma oferta maior de produtos saudáveis e sustentáveis. Além disso, podemos ter mais investimentos em educação alimentar nas escolas e campanhas públicas que orientem a população para a importância de alimentação saudável e do consumo consciente de alimentos.
A agricultura brasileira é uma grande potência mundial, somos um grande produtor de grãos, frutas, verduras e legumes. Na sua visão quais seriam os principais pontos positivos sobre a produção de alimentos no Brasil e onde ainda precisamos melhorar?
Um dos pontos positivos sem dúvida é toda essa versatilidade, pioneirismo e inovação da agricultura brasileira, sendo referência mundial em produtos tão distintos e que, cada vez mais, ganham novos mercados ao redor do mundo — de acordo com a Embrapa, o agro brasileiro alimenta 800 milhões de pessoas. Mas, como foi dito, podemos melhorar no uso de recursos naturais, sobretudo água e no combate ao desperdício. Também é importante reverter o uso crescente de mais e mais agrotóxicos (muitos deles banidos em outros países) e criar programas que façam da agricultura brasileira uma aliada no combate à fome, que ainda persiste no país.
Qual a situação do Brasil frente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12, consumo e produção responsáveis?
De modo geral, infelizmente o Brasil está estagnado ou caminhando para trás em praticamente todos os ODS, de acordo com o último Relatório Luz. Mas podemos perceber que a pandemia fez muitas pessoas reavaliarem seus hábitos de consumo e buscarem empresas, marcas e produtos mais sustentáveis, entendendo que nossos hábitos de consumo têm impacto para nós mesmos, para a sociedade e para o planeta. Ainda há um longo caminho para percorrermos: de acordo com os estudos do Akatu, apenas 4% dos brasileiros são consumidores conscientes. Por isso a importância de ações conjuntas de governos, empresas e sociedade civil.
Quais as principais dicas que o senhor daria aos consumidores das grandes cidades brasileiras para evitar o desperdício e praticar o consumo consciente?
A dica principal é entender que todas as nossas ações têm impactos sobre nós mesmos, a sociedade e o meio ambiente. E que se cada um adotar hábitos sustentáveis por um longo período de tempo, influenciando as pessoas ao seu redor, esse impacto positivo é potencializado. Cada pequeno ato importa. Sobre o consumo consciente de alimentos, recomendo o guia Primeiros Passos – Alimentos, com várias dicas simples que todos nós podemos adotar no dia a dia.